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Foto do escritorSérgio Barreto

A INSOLVÊNCIA E A AUTOFALÊNCIA DA EMPRESA EM CRISE FINANCEIRA


O instituto da autofalência pode ser uma alternativa de encerramento mais honrosa e menos traumática da atividade empresarial, minimizando impactos e prejuízos patrimoniais ao empresário, aos credores e à sociedade em geral, diante da crise econômico-financeira da empresa e nos casos em que a recuperação judicial não seja recomendada.



Muito se tem falado sobre as alternativas que o empresário pode [e deve] considerar, diante de situações em que o seu negócio não vai bem, do ponto de vista econômico-financeiro, sobretudo nos pequenos negócios.


Recuperação judicial ou extrajudicial, repactuação de obrigações e reequilíbrio de contratos considerados vitais ao negócio, renegociação direta com principais clientes e fornecedores, ações revisionais ou alterações societárias visando a captação de recursos são, dentre outras, possibilidades que o empresário pode adotar para se obter um fôlego na crise, com a sobrevivência empresarial e a transposição do momento de dificuldade aguda generalizada e ainda mais aprofundada pela crise sanitária e econômica atual que o mundo atravessa.


Nesse cenário, o reconhecimento do instituto legal da autofalência pode ser uma medida preventiva a ser considerada para se buscar minimizar os impactos socioeconômicos negativos vindos da famigerada quebra da empresa, especialmente ao pequeno e médio empreendedor, aos quais principalmente me dirijo nesse artigo.



O agir sempre será uma decisão acertada


Diferentes entre si, todos os mecanismos citados acima têm em comum o fato de que a tomada de decisão no momento certo é o que vai definir qual estratégia dará mais efetividade aos propósitos a que se destina, seja para o soerguimento do negócio, seja para estancar prejuízos ou seja para prevenir traumas maiores no futuro, e que uma assessoria técnica especializada é fundamental para se identificar quais mecanismos são mais adequados a cada caso, avaliando-se quais são as chances de isso dar certo e o que pode dar errado.


Fato também é que – na maioria das vezes – o empresário fica reticente, senão refratário, quanto ao momento adequado de agir e adotar o remédio amargo que possa lhe assegurar a sobrevivência, por sentir que o “adoecimento profundo” da empresa é apenas uma “enfermidade passageira” ou que o “paciente” logo se recuperará.


Nem sempre se dá conta que, a cada dia, a esteira do que chamo de “ciclo vigoroso de estágio pré-falimentar” muitas vezes acaba levando-o para além da quebradeira do negócio, com reflexos inevitáveis também à pessoa física e ao patrimônio do (s) sócio (s) empreendedor (es), bem como à sua imagem empresarial construída com muito esforço.



O reconhecimento da situação de insolvência e as possibilidades da autofalência


A autofalência não é aquela que decorre da iniciativa por parte do credor da sociedade empresária devedora, mas, como o próprio nome sugere, é aquela reconhecida e requerida pelo próprio empresário que se vê em um mar revolto de dívidas insustentáveis, e que entenda, em dado momento da atividade empresarial, que não se trata mais de se buscar a revisão ou renegociação das dívidas, ou a recuperação judicial do negócio ou, ainda, que não se enquadre nas hipóteses legais para tanto.


Cabe aqui explicar, em síntese, que os casos em que um credor ingressa com o pedido de falência do devedor na justiça estão quase sempre relacionados à prática de atos de falência caracterizada pelo comportamento temerário do empresário (através da atividade empresarial) na impontualidade injustificada e reiterada no pagamento de dívidas, em negócios arriscados ou dependentes exclusivamente do fator sorte, na prática de gastos excessivos ou na adoção de práticas fraudulentas para realizar ou evitar o cumprimento das obrigações, na prática de simulação de negócios e de venda indiscriminada do patrimônio a terceiros, com vistas ao esvaziamento de ativos e ao retardamento de pagamentos de dívidas ou na tentativa de frustração mediante fraude contra credores, ou ainda deixar de cumprir com os encargos assumidos no plano de recuperação judicial (nos casos em que a empresa já está em recuperação judicial), entre outras hipóteses mencionadas no texto legal (incisos I, II e III do art. 94 da lei 11.101/05).


Também, de se mencionar que as hipóteses cabíveis à autorização de recuperação judicial estão atreladas ao tempo mínimo de funcionamento regular da atividade empresarial (mais de 2 anos), não ter (a empresa ou o empresário individual) já sido considerado falido (salvo se já extinta as obrigações por sentença transitada em julgado) ou não ter já obtido a concessão de recuperação judicial nos 5 anos anteriores.


Então, na prática, antes que algum credor obtenha na justiça o reconhecimento do estado de falência da empresa, o empresário devedor ou a sociedade empresária, reconhecendo o seu estágio de insolvência, deve se antecipar e requerer ao juiz a própria falência, motivada pela crise econômico-financeira que tornou por inviabilizar o seu negócio, e não atender aos requisitos legais da recuperação judicial ou considerar não haver medida alternativa para superar a crise econômico-financeira, através das outras medidas aqui já mencionadas.



Procedimento


A Lei 11.101/05 (conhecida popularmente como lei de Falências), ao mesmo tempo que disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência, também aborda a hipótese da autofalência (arts. 105, 106 e 107) a ser requerida pelo próprio empresário ou sociedade empresária, em ambos os casos, simplesmente denominados pelo legislador como devedor.


Assim, aduz o art. 105 que o “devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial”, cuja petição inicial deverá estar acompanhada das demonstrações contábeis, relação nominal dos credores (com indicação do endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos), relação dos bens e direitos que compõem o ativo (com estimativa de valor e documentos de propriedade), atos constitutivos da sociedade empresarial ou da condição de empresário individual, livros e documentos contábeis quando exigíveis e informações dos sócios e administradores.


Nota-se, no trecho do texto de lei acima (com os meus destaques) que o pedido de reconhecimento da autofalência é um DEVER do empresário, que deve ser exercido por meio de intervenção judicial de jurisdição voluntária, e não uma faculdade.



Extinção das dívidas


A lei de Falências prevê considerar extintas todas as obrigações do falido com o pagamento de, no mínimo, 25% dos credores quirografários (aqueles que não possuem garantia real para o recebimento dos seus créditos), após realizado (vendido) todo o ativo da empresa, podendo ser complementado o valor pelos sócios ou pelo empresário até o limite percentual.

Ainda, considerar-se-á extinta a obrigação do devedor o decurso do prazo de 3 anos, contado da decretação da falência, salvo se houver a arrecadação de bens nesse período, os quais serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado nos autos do processo falimentar.


Também ocorrerá a extinção com a sentença que declarar extinta as obrigações, comunicando-se todas as pessoas e entidades informadas da decretação da falência.



Ressignificação: enxergar um copo meio cheio é melhor do que um copo meio vazio


É possível que o reconhecimento pelo próprio empresário da impossibilidade de continuidade do negócio através da medida de autofalência possa fazer com que o mercado perceba, nesse caso, que o insucesso foi do negócio e não do empresário, contexto que nem sempre se vislumbra quando a situação se prolongue no tempo, com o aprofundamento do estado de crise criado pelas tentativas muitas vezes infrutíferas de dilação do pagamento, onde o gasto de energia e de credibilidade acaba por minar a imagem e causar prejuízos maiores à empresa devedora e credores, com reflexos pessoais à terceiros.


Isso porque, ao meu sentir, o reconhecimento da autofalência está mais voltado para a ética empresarial, boa-fé e idoneidade moral do empresário e sócios, assim como pela proatividade em não querer causar mais prejuízos ao mercado e a terceiros, além de não ser visto como um caloteiro a longo prazo, fama esta muitas vezes erroneamente atribuída a empresas de boa-fé que tivera a recuperação judicial convalidada em falência decretada pelo judiciário.


Ademais, a possibilidade de diminuição de prejuízos e a delimitação da sua extensão, a mitigação de danos a terceiros e o estancamento da dilação e da oneração patrimonial podem representar saídas muitas vezes menos onerosas ao empresário.


É sabido que o transcorrer do tempo faz o passivo aumentar (a chamada bola-de-neve) e que a economia de recursos de tempo e de dinheiro são fatores relevantes que o empresário deve considerar na tomada de decisão, haja vista que, em tempos de crise, nem sempre a reversão da situação de insolvência se torna possível.


Relevante também é a proteção patrimonial de pessoas físicas e dos herdeiros, especialmente diante das incertezas que certamente serão apresentadas pela economia e pelo mercado do pós-Covid-19.


Noutro aspecto, diferentemente com o que ocorre quando da quebradeira tácita da pessoa jurídica, passando da simples moratória ao calote consolidado em que o CNPJ e as obrigações continuam coexistindo no mundo jurídico e vinculadas ao CPF dos sócios e às futuras transações, assim como as inacabáveis perseguições em ações judiciais, o encerramento formal da atividade empresarial através da autofalência também traz a segurança para o empresário, posto que, após o seu regular processamento, o juiz encerrará a falência por sentença e ordenará às Fazendas Públicas em todas as esferas para que seja determinada a baixa definitiva no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), mantido pela Receita Federal.



Conclusão: vida que segue


Sim, eu sei: o tema é indigesto e a solução causa, no mínimo, frustração pessoal.


Ressalva-se que a orientação aqui não pode ser vista como medida cabível ou adequada a toda e qualquer situação. Cada caso é um caso e só um advogado especializado no assunto e com conhecimento no negócio é quem poderá dar suporte técnico para a tomada de tão importante decisão.


Contudo, em primeiro plano, trato aqui de colocar o instituto da autofalência no radar do pequeno empresariado brasileiro que, na grande maioria das vezes, sempre se depara com a hipótese da recuperação judicial ou do calote propriamente dito como sendo as únicas alternativas e que nem sempre são as adequadas ao equacionamento do seu iminente problema.


Em segundo plano, a possibilidade menos traumática do empresário encarar o encerramento da atividade empresarial, salvaguardando a sua integridade moral, honradez e a sua coragem, bem como minimizando riscos e prejuízos patrimoniais, são pontos que devem orbitar a autoanálise e a tomada de decisão diante da gravidade do estado econômico-financeiro da empresa, de forma mais racional e, em muitos casos, mais econômica, jogando limpo com credores, com o mercado, com a sociedade e, por que não, consigo mesmo e seus familiares.



Sérgio Barreto dos Santos é advogado e administrador de empresas. Atuante em Direito Empresarial, Trabalhista, Civil, Societário e Administrativo (licitações e contratos públicos), nos âmbitos preventivo e contencioso. Sempre com foco em auxiliar empresas e pessoas a equacionarem suas questões práticas e jurídicas, é adepto da advocacia moderna, com o propósito de entregar valor e resultado aos negócios dos clientes por meio de conhecimentos e habilidades adquiridos em cerca de 25 anos de carreira.


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